quinta-feira, 6 de maio de 2010

Mas, de repente, um muro de cimento...

Desabafo...


Quem cantará o Tâmega, quando se "calar",
Remetido ao silêncio forçado
Pelo gozo de mandar...,
De um qualquer alucinado?

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Vamos ver agora como sentiu Miguel Torga a construção da barragem que submergiu Vilarinho da Furna...!


Requiem

Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavras,
aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de finados.

Mas, de repente, um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.


E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.



Miguel Torga
Barragem de Vilarinho da Furna
18 de Julho de 1976