sábado, 18 de outubro de 2008

Opinião do GEOTA sobre o PNBEPH

Posição do GEOTA sobre o
“Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico”
O Governo aponta na direcção errada em matéria de Energia e Ambiente!


Lisboa, 31/10/2007

O Governo apresentou recentemente o “Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico” (PNBEPH), que prevê que os aproveitamentos hidroeléctricos a implementar assegurem valores de potência instalada adicional na ordem dos 2000 MW, para que Portugal atinja em 2020 uma capacidade hidroeléctrica superior a 7000 MW. Porém, na realidade, quase metade da potência instalada adicional será obtida com a construção do Baixo Sabor e de Ribeiradio e com o reforço de potência de barragens já existentes. As 10 novas barragens que agora se propõem não atingirão, no seu conjunto, 1200 MW.

Das dez barragens, seis estão indicadas para a bacia do Douro. Dessas seis, cinco estão previstas para a sub-bacia do Tâmega (a outra é a famosa barragem de Foz-Tua, que irá submergir a linha do Tua). Quatro das cinco barragens da sub-bacia do Tâmega serão construídas no interior de um círculo com um raio de uma dezena de quilómetros (Vidago e Daivões, no Tâmega; Gouvães, no afluente Louredo; Padroselos, no afluente Beça). A quinta barragem, Fridão, situa-se a 12 km a montante de Amarante. A bacia do Douro, a grande sacrificada, é uma bacia com o rio principal artificializado e com quase todos os restantes altamente intervencionados. As pequenas áreas que restam, em que os sistemas lóticos prevalecentes se podem classificar de naturais, isto é, onde a biodiversidade ainda é relevante, serão deste modo praticamente eliminadas.

O GEOTA considera que a aprovação do PNBEPH, a acontecer, é um grave erro que o país pagará severamente nas próximas décadas. O GEOTA opõe-se a este Plano porque:

1) Em termos de planeamento de recursos hídricos o Governo está “a pôr o carro à frente dos bois”: O princípio da região hidrográfica como unidade principal de planeamento e gestão das águas, tendo por base a bacia hidrográfica como estrutura territorial, está consagrado na Lei da Água e os planos de gestão das bacias hidrográficas são atribuições das administrações das regiões hidrográficas (ARH). O potencial hidroeléctrico é apenas uma valência (e certamente não é a única relevante) de um curso de água. Se o PNBEPH for aprovado antes dos Planos de Gestão das Bacias Hidrográficas, isso significa colocar as novas ARH perante um facto consumado, isto é, dizer-lhes: "trabalhem, tendo isto como dado adquirido".

2) A tónica deve ser colocada na elaboração de um Plano para a Eficiência/Poupança Energética, incluindo a melhoria da eficiência dos actuais sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia. Portugal é um dos países mais ineficientes da Europa em termos energéticos. Temos a segunda pior intensidade energética do PIB da UE15, e este indicador não só não tem melhorado como até tem piorado nas últimas décadas. Estamos com taxas de crescimento da procura de electricidade quase duplas do crescimento do PIB. Temos um potencial de poupança de energia eléctrica, técnico-economicamente viável, que ascende a 25 a 30% dos consumos. Só com investimentos de alta rentabilidade (período de retorno inferior a três anos), seria possível poupar na ordem dos 6 a 10% do consumo actual — 1,5 a 2 vezes o que PNBEPH espera conseguir, com cerca de um terço do custo e um impacte ambiental incomparavelmente mais baixo! Reduções da mesma ordem de grandeza são igualmente viáveis em relação aos picos de potência solicitada à rede.

3) O Relatório ambiental do PNB é desconforme com o DL 232/2007 de 15 de Junho. É de aplaudir a submissão do Plano a avaliação do impacte ambiental, mas não é aceitável que ele seja omisso, designadamente na identificação das “características ambientais das zonas susceptíveis de serem significativamente afectadas, os aspectos pertinentes do estado actual do ambiente e a sua provável evolução se não for aplicado o plano ou programa” (alínea b) do nº 1 do artigo 6º). Como pode ser posto em discussão pública sem uma análise de conformidade séria? Que entidades foram consultadas antes de se pôr o Plano em Consulta Pública (artigo 7º)? Pode concluir-se que todo o processo foi conduzido de forma muito apressada, duvidosa e atabalhoada, apanhando a opinião pública desprevenida. O procedimento apresenta muitas falhas podendo determinar a sua nulidade e por isso o GEOTA é de opinião que se corrijam as deficiências e se inicie um novo período de Consulta Pública. Em especial, este plano e respectivo relatório ambiental ignoram uma das funções fundamentais de uma avaliação ambiental estratégica: avaliar os impactes cumulativos de um conjunto de empreendimentos. De facto, não foram quantificados nem devidamente avaliados impactes cumulativos inquestionavelmente importantes, como a destruição de habitats e corredores ecológicos, o desaparecimento de troços de rio não artificializados, e a retenção de sedimentos que deixam de chegar ao litoral e que portanto irão agravar a erosão costeira.

4) O PNB não toma em consideração que barragens cujas albufeiras apresentem águas eutrofizadas contribuem para a produção de GEE. Ignorando injustificadamente este aspecto, que aliás caracteriza a maioria das albufeiras nas bacias a serem afectadas, distorce a realidade ao atribuir impacte positivo, no parâmetro “alterações climáticas”, directamente proporcional à potência instalada de uma barragem, sem levar em conta o estado trófico provável em cada uma das albufeiras, nem a energia efectivamente produzível. Isto é tanto mais falacioso quando são completamente desprezadas formas alternativas de resolver o problema dos picos de potência.

5) Barragens potenciadoras de turismo é uma falácia para enganar autarcas incautos. Portugal está cheio de albufeiras desertas de turistas. Os turistas que procuram o contacto com a natureza privilegiam precisamente os ambientes que estas barragens vão destruir, como é o caso relevante da envolvente da linha do Tua ou do Castelo de Almourol. É muito provável que o impacte sobre o turismo seja altamente negativo, num domínio em que Portugal tem um potencial único. Enquanto o turismo de “pé-de-albufeira” é sazonal e de baixa qualidade, os desportos de “águas brancas” são uma fonte de receita turística de alta qualidade todo o ano.

6) A criação de emprego na construção e operação é outra falácia. Todos sabem que a construção de uma barragem é feita, na sua esmagadora maioria, com mão-de-obra imigrante e pessoal permanente da indústria da construção e que a sua operação é realizada praticamente de forma automática, pelo que não gera emprego local significativo.

7) O PNBEPH foi preparado à revelia dos interesses regionais e locais. O GEOTA efectuou contactos com os presidentes das Câmaras Municipais de Amarante e Mirandela, que se declararam abertamente em oposição aos projectos das barragens de Fridão e de Foz-Tua, duas das barragens-chave do PNBEPH. O GEOTA considera que nenhum plano deve ser executado ignorando a posição das populações e dos seus legítimos representantes, respeitando antes o princípio da subsidiariedade.

Por todas estas razões e porque o GEOTA está convicto de que o Governo aponta na direcção errada em matéria de Energia e Ambiente, o GEOTA declara a sua oposição ao PNBEPH, convidando todas as entidades que, de uma forma ou de outra, se consideram lesadas por este Plano a manifestarem-se ainda durante o período de Consulta Pública em curso e a projectarem formas de acção que incrementem a participação pública nesta discussão que vai marcar o país para as próximas décadas.